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Na Vila Glória, nem enchente “devastadora” fez famílias mudarem de endereço

Rua querida por moradores ainda tem portão e banco de praça que ficaram do desejo das famílias de viver em condomínio Thailla Torres
21/08/2019
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Apenas 100 metros dividem a calmaria da Rua Tônico Saad do caos formado pela movimentação no Centro de Campo Grande. Localizada na Vila Glória, num trecho paralelo a Avenida Fernando Corrêa da Costa, a rua é um dos locais da cidade de poucas mudanças que mostram uma tranquilidade que já se perdeu na maioria dos bairros antigos.
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O que há anos chama atenção por ali é a presença de um portão gradeado, baixinho, mas que não é retirado. À noite, ninguém fecha, deixando ainda mais curiosidade. Segundo moradores, o portão simboliza o desejo que tinham de viver em um condomínio fechado. “Era para ser um condomínio, segundo os antigos, mas acabou virando uma rua e ninguém mais fechou o portão”, lembra o publicitário Klaus Neto, de 45 anos.
Apesar da falta de utilidade, ninguém retira porque virou símbolo de um trecho de uma ponta da rua que é sem saída e abriga moradores muito antigo. A pequena vila tem aproximadamente 50 anos de história. Muitos dos moradores estão ali há mais de 40 anos, alguns já partiram, outros são filhos e sobrinhos que voltam à rua pelo carinho às lembranças de um passado “maluco”.
“Aqui não havia nada em volta, vivíamos perto do brejão, como era chamado o cruzamento da Fernando Corrêa da Costa com Pedro Celestino, antes da canalização. Então quando chovia e o Prosa transbordava, boa parte da água entrava na nossa rua”, lembra Klaus.
 
Banco de praça na calçada traduz calmaria da rua. (Foto: Kísie Ainoã)
O tormento era quando a água alcançava as casas, fora isso, os dias na rua que ainda tinha o nome de Aeroviários, eram muito tranquilos. “A vizinhança sempre foi muito tradicional e unida. Haviam muitas crianças brincando na rua, eu era uma delas que estava sempre reunida com a gurizada, naquele tempo não tinha problema brincar no meio da rua”.
A Rua dos Aeroviários, até então, não tinha asfalto. Poucas casas possuíam portões, todo mundo se conhecia, e a meninada crescia junto. “Era um clima de amizade muito forte. Tudo o que acontecia aqui, o vizinho sabia e tentava ajudar. Era um clima de vila”.
Na rua havia um “patrono”, chamado Tônico Saad, “o amigo da gurizada”, lembra o publicitário. “Quando passava o carrinho de picolé, ele sempre comprava para todas as crianças da rua”.
Tônico deu nome à rua após sua partida, em 1997, vítima de câncer. Era um comerciante conhecido na região, dono de inúmeros imóveis, que ainda são administrados pelos filhos, entre eles, Ricardo Madrid Saad, de 46 anos, que mora na mesma rua. “Meu pai era daqueles filhos de libaneses que nunca abandonou o trabalho, mas gostava de preservar uma amizade. Por isso, sempre manteve a comunicação com a vizinhança e nunca quis abandonar essa região”.
Turminha de Klaus na frente de casa, quando rua nem era asfaltada. (Foto: Arquivo Pessoal)
Cristiane morou anos fora da cidade, mas acabou voltando para rua querida. (Foto: Kísie Ainoã)
Klaus mora em São Paulo, mas sempre que pode passa uma temporada na rua, para matar a saudade. (Foto: Kìsie Ainoã)
Na rua, não só pela simpatia, Tônico ficou conhecido pelas soluções. Comerciante que sabia tudo, sempre tinha uma sugestão quando o problema era algo na rua ou até mesmo na casa do vizinho. Foi ele, inclusive, que durante anos manteve construído, na rua, um dique para conter as enchentes que vinham do córrego. “Foi a maneira que ele encontrou para a rua não ficar inundada, mas nem assim escapamos da enchente”, lembra o filho.
Klaus, Ricardo e a corretora Cristine Petengil, de 45 anos, lembram bem do episódio que devastou a rua em 1992. “Foi uma enchente daquelas, a água entrou nas casas, inundou os cômodos e perdemos tudo dentro das casas. Foi um desespero gigantesco”, recorda a corretora.
Apesar do tormento, a vizinhança se uniu e deu a volta por cima, naquele mesmo ano. Desde então, poucos deixaram a rua, mesmo com o crescimento do bairro e boa parte da vila ter ganhado prédios comerciais. “Eu mesmo morei muito tempo fora, quase 10 anos, mas quando quis voltar para Campo Grande, não teve outro lugar que eu quisesse tanto como essa rua”, diz Cristiane.
Na rua que ainda vivem os pais, moram a tranquilidade e vontade de dividir. “Aqui é o tipo de rua que você consegue bater na casa da vizinha para pedir uma xícara de açúcar ou tomar um café. Sempre tem um bom dia, um sorriso, essenciais para se sentir bem”, descreve.
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